"Little do men perceive what solitude is, and how far it extendeth. For a crowd is not company, and faces are but a gallery of pictures, and talk but a tinkling cymbal, where there is no love." (Francis Bacon)
Passos mudos pela noite. As luzes da cidade ao longe nada mais são do que estrelas coloridas junto ao horizonte. A lua está tímida, apenas uma tênue linha semicircular brilhava no céu.
O jornal estava certo, estava nos últimos dias da lua minguante.
Era uma noite agradável, uma brisa leve soprava e agitava levemente as águas do Sena. Estava cansado, afinal tinha sido um dia difícil no Cours Albert 1er. Nunca vi tanta gente reclamando em minha vida. Brasileiro é mal acostumado, e mal educado, sempre destratando aqueles que não atendiam suas ânsias como queriam. Passei o dia ouvindo impropérios, sendo alfinetado por olhares e sorrisos amarelos.
No final do dia, deixei a pasta com Mme Nevers, minha simpática secretária, e fui encontrar alguns amigos em um bar próximo ao escritório. Por incrível que pareça, nada ali me atraía. Estava absorto em meus pensamentos, estava surdo e cego. Interagia com as pessoas de maneira mecânica, ou seja, estava dependendo puramente de reflexos sociais.
Após sair de lá, fiz o que sempre gosto de fazer em momentos introspectivos como esse: andar. Lembrava-me do conselho de Julien que tinha me dito certa vez que o Sena sempre levava consigo suas preocupações.
Olhava para a vida passando pelas pontes que se seguiam, a Pont Neuf cheia de turistas como de costume, um grupo de universitários conversava acaloradamente na Pont de Tolbiac enquanto sob eles, o Sena corria rumo ao seu fim no Canal da Mancha.
Vaguei por horas às magens do rio, tentando fazer com que, de certa forma, ele lavasse o espírito e renovasse as esperanças de que tudo seria melhor.
Até que, inexplicavelmente, meus passos não eram mais mudos. Eles ecoavam na bela noite francesa, o som das vozes sumiu, as luzes da cidade feneceram e a lua se retirou. A única presença ali, além da minha, era a do vigilante e perene rio.
Segui minha caminhada noite adentro, meus passos se tornavam cada vez mais ensurdecedores e o rio se tornava mais silencioso até que o único som era o meu próprio, nem mesmo meus pensamentos eram audíveis.
A última coisa vinda do meu consciente que consegui ouvir foi uma constatação: "isso é, de fato, a solidão."
Uma maior solidão
Lentamente se aproxima
Do meu triste coração.
Enevoa-se-me o ser
Como um olhar a cegar,
A cegar, a escurecer.
Jazo-me sem nexo, ou fim...
Tanto nada quis de nada,
Que hoje nada o quer de mim.
(Uma maior solidão - Fernando Pessoa)
October 01, 2007
Noite adentro
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madrugada,
pensamento
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6 comments:
primeira a ler o post [li o manuscrito virtual, se é que isso existe], primeira a comentar.
falei pra você que quero morar por lá. talvez nos esbarremos pelas margens do Sena. talvez esteja nesse grupo de amigos, talvez em outro.
quem sabe?
Também sou poeta:
Batatinha quando nasce
Esparrama pelo chão...
-ou seria "espalha ramas pelo chão"?-
Porém, como "estamos" em Paris...
Petite pomme de terre quand est né...
Hahahahaha...
Um abraço!
Vc e Pedro postaram no mesmo dia uma poesia de Fernando Pesooa. É uma linda ligação mental que vocês dois possuem, muito interessante.
A solidão é o seu melhor amigo e o seu pior inimigo.
abraços,
Voce descreve uma Paris charmosa, como nunca li igual! Dá até vontade de juntar minhas moedinhas e, em vez das xérox intermináveis, bancar minha viagenzinha pra lá...
Você me fez lembrar dos sonhadores, na cena em que a Isabelle diz que ela "entrou neste mundo" em 1958 na Champs d'Elise,e que as primeiras palavras dela foram : - New York Herald tribune!!
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